terça-feira, 13 de novembro de 2012

CIDADÃO DESCOBRE, EM MENOS DE 10 MINUTOS PARADEIRO DE TESTEMUNHA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO CONSEGUIU LOCALIZAR EM MAIS DE TRÊS ANOS

Tribunal Judicial da Comarca de Almada

Após mais de três anos decorridos sobre a denúncia, no Tribunal de Almada, de eventuais negligências em cadeia que podem ter sido a causa próxima da morte de uma pessoa, o Ministério Publico, segundo o despacho de arquivamento, não conseguiu ouvir a única testemunha arrolada, por desconhecer o seu paradeiro. O ofendido conseguiu localizá-la, em menos de 10 minutos, numa pesquisa no Google.

O caso que vos trago hoje, é, infelizmente, real. Não ocorreu em qualquer país da África profunda, ou da América andina, mas em Portugal. Não no século XIII ou XIV, mas no século XXI, em 2009. Também não se passou em qualquer aldeia esquecida da planície alentejana nem perdida na serrania transmontana, mas em Almada, uma das maiores cidades do País, à beira de Lisboa, com o Tejo a uni-las (ou separá-las …).
Por razões óbvias de privacidade uso nomes fictícios. Tudo o resto é real.
Em 16 de Julho de 2009, Adélia, de 68 anos, vinha apresentando sintomas de obstipação que já tinham sido causa de visita médica domiciliária, efectuada por pedido dirigido aos Anjos da Noite, na qual foi diagnosticada a patologia e passado receituário que o clínico considerou adequado à situação. Tendo passado o dia acamada, Adélia deslocou-se para a saleta, onde costumava ver televisão e sentou-se acompanhada de Bruno, o marido que completaria 71 anos no dia seguinte.
Cerca das dez da noite, Adélia mostrou desejo de voltar a deitar-se, pedindo a ajuda do marido para se levantar do sofá em que se tinha instalado.
Ao tentar levantar-se, não conseguiu, mesmo com a ajuda do marido. Tinha perdido a força.
Não havia pessoal nem material disponível, segundo os responsáveis do CODU
Alarmado, Bruno ligou para o filho do casal, Carlos, que estava a acabar de jantar, descrevendo o estado em que a mãe deste se encontrava, e, de seguida ligou para o 112, descrevendo pormenorizadamente a situação e pedindo uma ambulância para transportar a doente para o Hospital Garcia de Orta, tendo obtido como resposta que não tinham ambulâncias disponíveis sugerindo que Bruno transportasse a doente, pelo meio que entendesse, inclusivamente de táxi. Bruno insistiu, argumentando que se não conseguia levantar Adélia do sítio onde se encontrava, muito menos conseguiria descer com ela um lance de escada até ao elevador, para já não falar nos cinco degraus, depois da saída do elevador, até atingir o nível da porta da rua.
O interlocutor, permaneceu irredutível na sua posição de afirmar a impossibilidade de resolver o problema, tendo Bruno, após esta chamada, ligado para os Anjos de Noite, pedindo uma domiciliária, com a máxima urgência, o que foi satisfeito, em poucos minutos. Entretanto Carlos já se encontrava em casa dos pais.

Quando a Dr.ª Marina, enviada pelos Anjos da Noite viu a paciente exclamou: «Esta senhora já devia estar no Hospital. Não gosto nada do que estou a ver!».
Bruno contou resumidamente a conversa que tinha tido via 112, e a recusa, da prestação do serviço. Em seguida ligou de novo para o 112 e entregou o telefone à Dr.ª Marina, que durante vários minutos, insistiu, tendo a chamada sido transferida para vários departamentos, inclusivamente, chegando a perguntar ao colega com quem falava a certa altura, se ele se responsabilizava pelas consequências da recusa do envio ao domicílio de uma equipa médica do INEM, e a ambulância para o transporte da doente. Não conseguiu mais que a deslocação de uma ambulância dos Bombeiros de Almada tripulada pelo condutor e um paramédico.
A doente encontrava-se numa situação em que nem a tensão arterial, demasiado baixa, conseguiram medir, senão após várias tentativas. Por fim, lá foi transportada pela ambulância para o Garcia de Orta, acompanhada por Bruno, seguida pela Dr.ª Marina, no carro dos Anjos da Noite, até à porta do Hospital, cerca da uma hora do dia 17 de Julho. Carlos deslocou-se também no seu carro, para o Hospital.
Chegada ao Hospital, e presente na triagem, colocaram-lhe uma pulseira verde, transferiram-na para uma maca do Hospital e levaram-na para a zona de urgências.
Depois das três da madrugada, Bruno, não tendo notícias da doente, conseguiu que uma enfermeira lhe dissesse que iriam fazer exames, que Adélia não teria alta tão cedo e que fosse para casa descansar, voltando de manhã, para saber notícias. Foi-lhe permitido permanecer alguns minutos junto da doente, antes de ir para casa.
Na manhã seguinte, Bruno e Carlos chegaram ao Hospital, tendo Carlos seguido para o emprego, acompanhado do mulher, tendo combinado com o pai que este iria telefonando à medida que colhesse informações sobre o estado da doente.
Cerca das 10 horas Bruno foi chamado, na sequência de um pedido de informação que tinha entregado, sendo-lhe dito que ainda não havia um diagnóstico conclusivo, que aguardavam resultados de exames e que possivelmente, Adélia ficaria internada. Foi conduzido junto da doente, que apresentava um aspecto bastante debilitado, a qual lembrando-se do dia de aniversário do marido, ainda lhe deu um beijinho de parabéns, ao que este respondeu, que o que queria era que ela se pusesse boa tão breve quanto possível. Depois de vários minutos, Bruno saiu de local, com a promessa de que ao meio dia estaria ali de novo, indo telefonar ao filho para lhe contar a visita que acabara de fazer.

No Hospital Garcia de Orta: pulseira verde e horas e horas de esper
Ao meio dia, como prometera, Bruno estava de novo com Adélia, que rejeitava a sugestão de refeição, visivelmente mais enfraquecida, acabando após muitas insistências de uma Senhora, Voluntária, de aceitar um iogurte, que a mesma senhora lhe deu à boca.
Mal ingeriu o iogurte a muito custo, Adélia teve uma crise de vómitos. A Senhora que a tinha ajudado foi buscar uns toalhetes, com os quais a limpou e quando se dirigia para o recipiente do lixo para depositar os toalhetes sujos o rosto de Adélia assumiu uma expressão que parecia de espanto, com os olhos mais abertos e o olhar parado dirigido ao infinito. Bruno chamou uma enfermeira que passava na altura pelo local, que vendo a paciente, agarrou e empurrou a maca, em corrida, enquanto gritava o nome de um médico. Bruno ficou especado, não sabe se segundos, se minutos, até que alguém lhe perguntou porque é que estava ali, ao que respondeu, que queria saber o que se passava com a sua mulher. Ouviu a voz feminina que o interpelara, indicando-lhe um balcão de atendimento médico, que o doutor é que o podia informar.
Bruno chegou à entrada do balcão, tendo o médico que lá estava, a escrever qualquer coisa, levantado a cabeça para lhe perguntar o que desejava.
- Saber da minha mulher.
- O nome da Senhora?
- Adélia …
- Internei-a. Não seio se já subiu …
- Acabam de a levar, a correr, para aquele lado!...
- Foi para a reanimação!
E ele próprio seguiu o caminho por onde tinham levado a maca …
Bruno chegou à rua e telefonou logo para Carlos, que pediu ao Pai que esperasse por ele, pois iria sair de imediato com a mulher, Dália, que trabalha na mesma empresa.
Bruno ficou aguardando a chegada do filho e da nora, na sala de espera.
Quando chegaram Dália, foi falar com alguém e regressou dizendo que o Dr. Teodoro queria falar com todos, o que aconteceu pouco depois.
O Dr. Teodoro disse resumidamente, que que quando entrou no turno da manhã notou que a doente Adélia estava há muitas horas sem assistência e que o seu estado aparentava então ser grave, pelo que em face de exames que pediu e da sintomatologia da doente, procedeu ao seu internamento, ficando a aguardar vaga no piso respectivo, que a doente não tinha conseguido sobreviver, e que dadas as circunstâncias em que tinha ocorrido o falecimento, iria requerer autópsia judicial, só após a qual o corpo seria entregue à família para procederem ao respectivo funeral.
O relatório da autópsia, além de mencionar como causa da morte uma peritonite, com perfuração do intestino, declarava não haver suspeitas de qualquer acto criminoso que tivesse contribuído para a morte da doente.
Não satisfeito com o que parecia uma jogada de defesa, fazendo tábua rasa de uma série de deficiências desde o pedido feito, cuja satisfação foi recusada pelo INEM, à pulseira verde, atribuída na triagem, culminando no número de horas em que a doente permaneceu abandonada na urgência do Garcia de Horta, Bruno apresentou denúncia dos factos no Tribunal de Almada.
Em 29 de Outubro de 2012, foi depositada na caixa de correio do denunciante uma notificação do Tribunal de Almada, datada de dia 10 do mesmo mês, dando conhecimento do despacho de arquivamento do processo respectivo.
Segundo o despacho, «não foi possível inquirir Marina Klico, «cujo paradeiro é desconhecido.»; «O auto de transcrição das conversas de (…) e (…) com uma operadora da linha de atendimento do INEM e Marina Klico com operadores e um médico da mesma linha, confirma genericamente, a parte inicial da denúncia.»; «A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde em nada contribuiu para o desenvolvimento da presente investigação.»; é reconhecido, claramente, que a assistência prestada a Adélia «esbarrou em circunstâncias que não deviam ter ocorrido, no entanto, a imprevisibilidade ou, pelo menos, difícil previsibilidade, de algumas delas não deixaram margem para concluir no mínimo, pela não verificação de negligência na actuação dos intervenientes, verificando-se, sim, a existência de evidentes falhas administrativas relativamente a recursos humanos e materiais que conduzem a situações sem retorno, ficando sempre a dúvida. Como é o caso concreto, sobre se (…), poderia estar viva se a sua assistência tivesse sido mais rápida.
Mas não tendo a investigação superado aquela dúvida, não é possível extrapolar que os factos não teriam a mesma conclusão caso o atendimento de (…) tivesse sido mais célere, não sendo, desde logo, sequer possível imputar criminalmente a responsabilidade pelo tempo decorrido. Seja porque o INEM não tinha meios disponíveis de transporte de doentes, seja porque os sintomas de (…), aparentemente, não revelavam a gravidade real do seu estado, atrasando o seu atendimento perante outras situações, aparentemente mais graves.
Pelo exposto, determino o arquivamento dos autos, nos termos do art.º 277º, nº 2 do Cod. Processo Penal.».
Recebida a notificação, em chamada para os Anjos da Noite, Bruno confirmou que a Dr.ª Marina já não trabalha lá há muito tempo e desconhecem onde se encontra actualmente.


Em consulta digitando, no Google, “Marina Klico”, aparece, referenciada na Região do Algarve da ACSS, Marina Iourievna Atkina Klicó, colocada em Medicina Interna no Hospital Central de Faro.
Em contacto com o Hospital Central de Faro, Bruno pediu para ligarem à Dr.ª Marina Klicó, o que se tornou difícil, por a linha interna de “Medicina 1” apesar de chamar durante largos minutos não ter ninguém a atender as chamadas. Ocorreu-lhe ligar para o Gabinete de Comunicação. A senhora que atendeu tentou a ligação e também não conseguiu ser atendida. Sugeriu a Bruno que deixasse o contacto, que ela, ou um colega, entregaria à Dr.ª Marina, que telefonaria posteriormente.
Mais tarde, Bruno recebeu uma chamada. Era a Dr.ª Marina. Confirmou ser a mesma médica que estava ao serviço dos Anjos da Noite em Julho de 2009. Bruno perguntou-lhe se se recordava da domiciliária efectuada na noite de 16 de Julho.
Durante cerca de uma hora e meia ao telefone, não se lembrou. Disse que essa altura de 2009, foi de imenso trabalho com inúmeras visitas domiciliárias, varias a doentes em situação muito grave. Chegou a recordar um caso, da mesma altura, mas não correspondia ao de Adélia. Várias vezes lamentou não ter sido contactada pelo Ministério Público quando a memória poderia, ainda, estar fresca. O depoimento dela seria de nenhuma ou pouca valia.
Bruno percebeu que requerer a abertura da instrução seria gastar dinheiro, sem que fosse apurada qualquer responsabilidade.
 Não posso acabar exte texto sem deixar algumas perguntas:

Que raio de serviços são estes que o Estado nos oferece cada vez mais escassos e mais caros?
Se há meio século os Oficiais de Diligências – lembram-se dessa profissão? – andavam por campos e vales, a fazerem notificações, e faziam-nas!, não pode um oficial de Justiça, ou como se chamará agora o profissional equivalente, teclar um nome num computador e localizar pessoas, sem sair do seu gabinete?
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, foi chamada a investigar alguma coisa, e se o foi fez alguma investigação, ou limitou-se a falar com colegas, numa atitude meramente corporativa?
Por que não se legisla no sentido considerar obstrução à Justiça – julgo que é crime! – a falta nítida de colaboração de um serviço público, relativamente a uma ordem ou pedido judicial de esclarecimento?
Se o auto de transcrição das chamadas prova a veracidade da parte inicial da denúncia, o despacho reconhece a existência de evidentes falhas administrativas relativamente a recursos humanos e materiais que conduzem a situações sem retorno, leia-se: fatais, por que não se encaminham estes processos para apurar as responsabilidades de quem sangrou, e continua a sangrar, o Estado dos meios necessários à prossecução dos fins para que foi constituído e que são a razão da sua existência?
Uma pergunta final, a propósito do paradeiro da Dr.ª Marina: alguém se terá lembrado de perguntar aos serviços do Senhor Gaspar?

Setúbal, 13 de Novembro de 2012

Paulo Eusébio










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